Ter uma rede de apoio na pandemia é algo muito importante para ajudar a lidar com momentos e dias difíceis, especialmente quando falamos sobre maternidade neste período.
Porém, para falar sobre o assunto com mais propriedade, convidamos a Vitória Marioto (@mariotovitoriapsi), psicóloga clínica e perinatal, para nos contar mais sobre esse tema e sua relevância nos dias de hoje.
Acompanhe a leitura a seguir e saiba mais sobre a maternidade na pandemia e a importância de ter uma rede de apoio.
Antes de mais nada, o que é uma rede de apoio na maternidade?
“A rede de apoio se resume em uma, ou em um grupo de pessoas, que se fazem presente antes e, ou após o nascimento do bebê, e sua função é assumir tarefas que possibilitem que a mãe, principalmente, consiga se dedicar ao máximo às demandas do bebê e à sua recuperação e adaptação (física, emocional e social) a nova rotina.”
Além disso, a psicóloga destaca que essas tarefas envolvem a alimentação, organização da casa, resolução de atividades externas, cuidados com o bebê para que a mãe possa desfrutar de um descanso, banho, refeição, consultas médicas e assim ter condições de estar bem para assumir o papel que o recém-nascido precisa.
As redes de apoio também são necessárias tempos após o nascimento, quando os filhos se tornam crianças e as famílias precisam de apoio externo para atender as demandas gerais para além da parentalidade, principalmente durante isolamento social, home office, aulas online, tarefas domésticas, etc. “As escolas e atividades extracurriculares, por exemplo, também são responsáveis por prestar esse auxílio – o que contribuiu muito para as dificuldades dessa quarentena prolongada”, completa.
Como é formada a rede de apoio?
“Em sua grande maioria, as redes costumam ser formadas por familiares que têm disponibilidade e intimidade para acompanhar essa família. Em muitos casos, amigos próximos também são uma fonte presente de apoio, já que a sensibilidade é o principal requisito e nem sempre é encontrada nas famílias”, conta Vitória.
E ela acrescenta também que muitas das dificuldades do universo materno são decorrentes da nossa cultura que, infelizmente, romantiza esse período.
“O senso comum entende que gestantes e puérperas (mulheres que deram à luz recentemente) vivem um momento de felicidade plena, se realizando e transformando em ‘mãe’ assim que o bebê nasce, portanto, devem saber o que fazer, como cuidar e a felicidade e o ‘amor incondicional’ superam qualquer dificuldade.”
Ainda de acordo com Vitória, as maiores crises aparecem porque todas essas afirmações são muito distantes da realidade da chegada de um filho e, em alguns casos, essa mulher não é acolhida e apoiada no momento de fragilidade, de um choque de realidade e readaptação de tudo o que ela conhecia antes de se tornar mãe, uma vez que tudo o que ela vive conflita com o que o mundo externo a ela acredita.
Vitória completa: “as dificuldades também se estendem à parentalidade, para além do pós-parto, e à figura da mãe que é multitarefa, tem múltiplas jornadas e supostamente está acostumada ou tem condições de lidar com todas as demandas, o que é visto como um grande risco para a saúde física e psíquica da mulher que muitas vezes não tem outra alternativa.”
Dicas para quem quer ser rede de apoio
Como a maternidade é um momento delicado, como saber qual é o limite na hora de apoiar alguém? “É importantíssimo manter esse questionamento durante todo o contato com a família, isso porque a linha entre um ótimo apoio e uma presença desconfortável pode ser tênue. E isso também vai depender da abertura que essa puérpera apresenta para a rede”, comenta Vitória, que separou algumas dicas gerais:
- Não seja uma pessoa questionadora sobre essa nova realidade, já que essa mãe pode saber tanto quanto você;
- Saiba que seu lugar é de encorajamento, suporte e acolhimento acima de qualquer conhecimento prévio que você tenha sobre o período puerperal e maternidade;
- Respeite o momento introspectivo que o pós-parto exige da mulher sem estar ausente, mostrando sua disponibilidade para ouvi-la ou apenas se fazer presente;
- Não distribua informações ou experiências alheias sem que a mãe peça ou se mostre interessada, isso pode soar como imposição de certo e errado ou comparações, que é o que ela menos precisa nesse momento;
- E sempre abra espaço para que ela possa exercer sua própria maternidade, uma vez que o contrário disso só trará prejuízos para a relação mãe-bebê.
Como lidar com as amizades após o nascimento de um filho?
“Essa é uma queixa muito recorrente no meio materno quando as realidades sociais se distanciam. Além do período intimista e de alta dedicação dos agora mãe e pai, muitas podem ser as causas do suposto ‘enfraquecimento’ de amizades anteriores a esse período.
Tudo isso pode ser um fator de alta contribuição para que o esse período seja ainda mais estressante e solitário, mas é possível que esse cenário seja preparado para receber a família recém-nascida”, explica Vitória.
Compartilhar informações funcionais e expressar o desejo podem servir de meios para aproximar quem não está familiarizado com essa fase e de algum jeito deseja se fazer presente, já são ótimos passos para ajudar uma puérpera. “É bom lembrar que existe vida além da maternidade e essas amizades podem servir como válvula de escape para mães e pais – fundamental para proteger a saúde mental dos indivíduos!”
E a psicóloga destaca que, de qualquer forma, a transição à parentalidade é acompanhada de mudanças significativas de prioridades, visão de mundo, desejos e responsabilidades. “Mesmo que os pais precisem resgatar um pouco da sua identidade anterior a chegada do bebê, pode ser natural a mudança dos ciclos de amizade”, completa.
“Por exemplo, é muito recorrente que mulheres participem de roda de gestantes, grupos de comunidade materna e se aproximem de pessoas que dividem uma realidade similar, servindo também como rede de apoio e relações de acolhimento umas com as outras, se assim desejarem.”
Como lidar com as diferenças com a família que estou apoiando?
“Tendo as dicas anteriores em mente, é necessário que o papel da rede de apoio seja muito mais passivo, ocupando o plano de fundo. Dessa forma, ter sensibilidade para saber se colocar é um aspecto fundamental para quem vai viver próximo à família. Eles estão vivendo um momento atípico, no qual grandes reajustes estão sendo feitos em muitas esferas, caracterizando inclusive um período potencial de crise na vida da mulher.”
Dizendo ainda que qualquer intervenção que a rede de apoio sinta necessidade de fazer deve partir dessa ideia, Vitória destaca que delicadeza e acolhimento irão proteger a família da sensação de julgamento e crítica.
E, para lidar com as diferenças na rede de apoio, ela diz que o mundo ideal é aquele em que a rede compreende, respeita e estimula as opções da família. Porém, sabendo que essa realidade está muito longe de ser comum, estar segura das decisões e escolhas sempre será o melhor caminho para se proteger de interferências externas.
“O acesso a informações funcionais desde o período gestacional é a forma mais assertiva de se ver nesse lugar durante o pós-parto e, se possível, continuar compartilhando conhecimentos, estudos e opiniões para as pessoas que contribuem para o cuidado do bebê, casa e rotina”, indica.
Como diminuir o sentimento de solidão nesse momento tão delicado acompanhado da pandemia?
“O puerpério já simboliza um período muito solitário por si só. O processo de adaptação do seu corpo e psiquismo é extremamente íntimo, tão íntimo que chega a ser solitário… O sentimento que acompanha a mulher é de que ninguém mais sabe o que ela está vivendo a não ser ela mesma e, na verdade, isso é real”, conta Vitória.
“Essa solidão materna acaba sendo resultado de uma conexão intensa que é necessária para mãe e bebê se entenderem e estabelecerem o vínculo esperado para esse período. Mas, quando se fala em pandemia, com certeza precisamos considerar um agravamento pois isso foge da nossa naturalidade como seres sociais.”
E ela comenta que, no tempo que antecedeu o isolamento social, ainda era possível que fisicamente as mulheres tivessem companhia, conversas para além da maternidade, mudanças de ambiente (mesmo que muito pequena) e isso era um fator importante para equilibrar o desgaste desses primeiros meses da vida do bebê.
“Portanto, o mais importante é ter o acolhimento de quem está por perto e o respeito por esse sentimento que em breve será minimizado de acordo com o desenvolvimento do bebê e a retomada da identidade da mãe como sujeito individual, sempre observando agravamentos e uma possível necessidade de avaliação e acompanhamento psicológico”, completa.
Tenho vergonha de pedir ajuda, como faço?
“O pós-parto é um período de muita sensibilidade para a mulher, e muito importante para as primeiras percepções de mundo do recém-nascido, que precisará da mãe disponível o bastante para estabelecer um vínculo saudável nos primeiros dias, semanas e meses de vida, tendo oportunidade de se desenvolver de forma adequada a partir da sua relação segura com os cuidadores.”
Assim, idealmente, Vitória diz que as tarefas alheias ao bebê devem ficar em segundo plano e, por isso, é tão importante que exista uma rede externa que possibilite condições físicas e emocionais da mãe para atender suficientemente às demandas do filho recém-chegado.
“Esse auxílio, ou a falta dele, poderá definir como será exercida a maternidade de uma mulher e sua relação com o bebê, portanto, a preparação baseada nessas informações tende a conscientizar a família e entender que esse apoio é fundamental e não deve ser motivo de vergonha, mas de responsabilidade.”
Tarefas para fazer antes do parto quando se sabe que não terá rede de apoio após
“Ter condições de prever essa falta de apoio já é bastante benéfica pensando pelo lado prático. Além da conscientização das dificuldades que podem surgir (falamos até em ‘enxoval emocional’), questões como alimentação, higiene e mínima independência da mãe que não terá uma rede presente são fundamentais para serem pensadas.”
Dessa forma, a psicóloga destaca que é possível se antecipar de muitas maneiras, como por exemplo, cozinhar em grande quantidade durante a gestação e congelar refeições prontas, guardar frutas e legumes pré-preparados para facilitar o acesso e ter bons estoques de suprimentos consumidos para o mercado não ser uma preocupação.
Além disso, ela comenta que conhecer opções que ajudem na independência da mulher também são muito favoráveis para lidar sozinha com esse momento, como ter o sling (carregadores de pano que oferecem contato mãe-bebê e deixam braços livres para comer, beber, fazer atividades em geral) e alguns outros acessórios que oferecem distração e segurança para o bebê.
Dicas extras para lidar com este momento longe dos mais velhos
Durante todos esses longos meses de quarentena, Vitória ressalta que pudemos notar que os idosos foram especialmente protegidos e cuidados à distância, vivendo o isolamento de forma ainda mais dura, por comporem o principal grupo de risco desde o início da pandemia e, claro, como todas as outras populações, o sentimento de solidão e ansiedade foram muito recorrentes durante esse tempo.
“O momento pode ser encarado também como um convite à tecnologia, às possibilidades de se relacionar à distância e tentar minimizar essa falta que o contato físico continua provocando”, comenta.
“Alguns cuidados ainda são tidos como essenciais, desde a prática de exercício físico em casa ou ao ar livre se possível, banho de sol diário, estabelecimento do mínimo de rotina, distanciamento de noticiários, reforço da importância de se manter protegido e até o estímulo a conversas relacionadas à boas lembranças, histórias antigas e momentos felizes que podem fazer grande diferença no humor e estado emocional.”
Neste sentido, a psicóloga acrescenta que os jovens devem contribuir com acolhimento, se mostrando presentes sempre que possível, incentivando algumas atividades e, principalmente, tomando muito cuidado para não infantilizar os idosos, respeitando os desejos e se dispondo a compreender as necessidades, avaliando os possíveis riscos entre a saúde mental e proteção contra o vírus.
“O apoio traz sustentação”
“Falando sobre o período gravídico-puerperal, muito mais profundo que apenas uma ação pontual, o apoio traz sustentação e atua como um ‘background’ para que a família, especialmente a mãe, possa ser a protagonista do seu maternar sem interferências externas desnecessárias”, conta Vitória.
Assim, é possível observar que ter essa rede de apoio em um momento tão delicado, é algo essencial para que a mãe possa se sentir acolhida e tenha mais segurança para cuidar do recém-nascido.
E, caso você tenha alguém próximo que esteja gestante, ou puérpera, ofereça seu apoio e suporte, sempre respeitando os limites dela, para que ela saiba com quem contar nos momentos difíceis, e se divertir quando precisar de uma risada ou ombro amigo.